sábado, 24 de marzo de 2012

A atividade solar de março de 2012

Nas últimas semanas fomos invadidos por imagens e reportagens falando sobre a atividade solar.  Somente no CRAAM, onde eu trabalho, vieram duas  equipes da Globo e uma da TV Cultura para fazer entrevistas, além do portal do MSN Brasil e ainda houve contatos telefônicos com outros jornalistas que se comunicaram para obter precisões: está aumentando a atividade solar?  

Pois é, a atividade solar deu um salto: desde os primeiros dias de março o Sol se mostrou bem ativo com muitas explosões e ejeções de massa com efeitos sobre a Terra.  Tudo isto agitou os fantasmas das profecias de 2012, daí o interesse redobrado da mídia.  Mas, será que há algúm motivo de preocupação?  

Muitas vezes já falamos sobre o Ciclo Solar, mas é bom voltar sobre ele.  O Sol apresenta dois comportamentos muito diferentes: um inverno calmo e um verão ativo, entre ambas as estações solares se passam em torno de 5 anos.  Estamos agora no verão solar, embora ainda não chegamos no ápice.  Por isso, manchetes de jornais dizendo, "foi registrada a maior explosão solar dos últimos 5 anos" é semelhante a dizer um 20 janeiro, por exemplo, que foi registrado o recorde de temperatura dos últimos 6 meses.  A comparação correta é com os verões anteriores. E para isso, no caso solar,  devemos voltar 11 anos aproximadamente.  É isso o que eu fiz.  Na figura abaixo apresento o fluxo em raios-X mole observado pelo satélite da séries GOES durante o periodo 3 a 23 de março deste ano.  O fluxo em raios-X é um atividômetro: um medidor da atividade solar, quanto mais intenso o fluxo, mais ativo o Sol, maior número de explosões e ejeções de massa, maior a chance de efeitos na Terra.  As linhas horizontais representam a classificação da emissão em raios-X: A, B, C, M  e X. Cada banda de energia é 10 vezes maior que a anterior. Os eventos X são os mais importantes os M são médios e embaixo estão os eventos pequenos. Duas vezes no periodo da figura tivemos fluxo X, e uma dezena o fluxo foi M.  O valor mínimo do fluxo (a base) sempre foi maior do que B.  


Comparemos a figura acima com o verão de 2003 durante o periodo de 15 de outubro a 6 de novembro: 12 eventos X, incontáveis eventos M, a partir de 22 de outubro o fluxo era sempre mais intenso que C. Fica bastante claro que, embora ainda falta para o fim da estação ativa,  o verão de 2000 - 2003 foi bastante mais quente que o atual.  


Só basta ver a figura abaixo para comprová-lo. Ela representa a evolução da atividade solar medida por meio do Índice de Manchas.  Cada ponto é a média mensal. Em outubro do ano passado houve também uma agitação intensa no Sol, mas a atividade como um todo decaiu abruptamente nos seguintes meses. O último ponto corresponde a fevereiro passado.  A curva vermelha representa a progressão esperada do ciclo. Até agora a previsão parece estar sendo cumprida muito bem.



Conclusão: se algo tem de particular este verão solar, é que ele está bastante frio.

domingo, 18 de marzo de 2012

Observações maias de trânsitos de Vênus

Um leitor anônimo deste blog em espanhol me alertou por meio de um comentário no post El tránsito de Venus del 6 de junio de 2012, que o professor Jesús Galindo Trejo do Instituto de Astronomía da Universidad Nacional Autónoma de México, depois de analisar afrescos de um templo da cidade de Mayapán especula  que os maias observaram trânsitos de Vênus. Este fato poderia abrir as portas para a interpretação dos profetas de 2012 de que o calendário maia da Contagem Longa, está sincronisado para coincidir seu final con um trânsito de Vênus que acontecerá em 6 de junho próximo.

Não foi difícil encontrar o trabalho de Trejo publicado no Número XXIX da revista Estudios de Cultura Maya: Un análisis arqueoastronómico del edificio Q152 de Mayapán. Vou resumir os aspectos que me interessan aqui.
Prédio Q152, também chamado de Observatório.
Mayapán, Mérida (México)

A cidade de Mayapán, última grande orbe maia, pertence ao período posclássico (aqui uma breve descrição da história maia precolombiana). Teve seu apogéu entre 1200 e 1450 e um declínio dramático, produto de revoltas populares apoiadas por grupos armados provenientes de México central. Conta com importantes edificações, entre elas um templo circular que recebeu o arqueológico nome de Q152 (as vezes referido como o observatório) e uma pirámide chamada o castelo. Recentemente num pequeno prédio junto ao castelo foram achados e restaurados uns afrescos que são iluminados pelo sol en dois dias precisos do ano. Uma das imagens representa o sol amarelo com grandes raios, escoltado por dois personagens com umas espécies de lanças; e dentro do disco solar há um personagem ricamente ataviado em aparente descenso.  Segundo Galindo Trejo, os dias em que o sol ilumina o afresco serviriam como marcadores que permitem fazer uma aritmética simples para contabilizar o período sinódico de Vênus, de 584 dias, tempo que demora em dar uma volta em torno ao Sol observado desde a Terra.  Tamanha importância dada ao ano de Vênus, leva ao autor a reflexionar se o personagem dentro do disco solar não se trataria de uma representação dos trânsitos do planeta, tornando o afresco numa evidência do conhecimento astronômico maia.
Pirámide de Mayapán (o castelo)

Observar tránsitos de Vênus é complicado porque  projetado sobre o disco solar, o planeta é 30 vezes menor.   No entanto é possível se se atenua de alguma forma a intensa luz solar.  Uma condição natural é com o Sol próximo do horizonte ocultado por um véu de nuvens ou por fumaça.  Os maias estavam  numa posição geográfica privilegiada: dos 40 trânsitos de Vênus que aconteceram entre o ano 2000 AC e 1500 DC (conquista espanhola) eu calculei que poderiam ter observado 36 (Usei a seguinte tabela criada pela NASA, e as fórmulas daqui). Os trânsitos de Vênus são fenômenos bastante prolongados, que duram aproximadamente 7 horas e que ocorrem com pouca dispersão calendárica: entre o 19 e 23 de maio, e entre o 20 e 23 de novembro quando é considerado o lapso correspondente à antigüidade maia. Nem todo ano tem tránsito de Vênus, no entanto. As regras que os regem  não são simples e exigem séculos de observações ou um conhecimento bastante avançado da astronomia planetária.

Tamanhos relativos do disco solar (círculo amarelo) e Vênus (círculo azul claro). A diferença de tamanho e o intenso brilho solar dificultam a observação sem instrumentos de um trânsito de Vênus.

Em suma, talvez os maias observaram tránsitos de Vênus. Supor que chegaram a prevê-los, como algumas profecias de 2012 afirmam, seria uma ousadia sem qualquer sustento científico.