sábado, 11 de febrero de 2012

Glofecias 2012: o Cambalache Global

Se alguem faltava nesta história de profecias maias era a TV Globo.  Na sexta feira 10 de fevereiro o Globo Reporter falou delas e dentre os entrevistados, minha colega do CRAAM, Adriana Válio.  Em 60 minutos tivemos as testemunhas de pessoas no Brasil e nos EUA que estão esperando a catástrofe do 21 de dezembro de 2012.  

Num pequeno vilarejo em Alto Paraiso (GO), a comunidade se prepara espiritualmente acreditando que ali, no alto da serra os terremotos, tsunamis ou tempestades de 21 de dezembro de 2012 não os atingirão.  Conhecemos um alemão e uma suiça que abandonaram suas confortáveis residências europeias pela segurança e natureza do cerrado goiano. Também uma bancária bahiana que foi pra lá  esperar o fim do mundo em 2000, que como todos nós sabemos não chegou, se estabeleceu como corretora de imóveis e acredita que agora há maior certeza do Fim do Mundo. No momento, contínua vendendo propriedades, Carpe Diem, claro.  Por último há um engenheiro elétrico, físico quântico autodidata, também especialista em explosões solares que constroi uma casa ecológica para se presevar da catástrofe que produzirá a crescente atividade solar que provocará um caos geomagnético, terremotos e demais pragas naturais que ele assegura acontecerão.  Do Rio de Janeiro, uma economista se muda para o Mato Grosso do Sul esperar o Apocalípse, longe da praia que será invadida por uma onda gigante que destruirá a cidade.

Nos EUA, uma familia armazena alimentos e se prepara para fugir a um refúgio natural em meio de um alerta nuclear.  Outra americana também acredita que o Fim do Mundo está próximo, mas por causas econômicas, por isso também guarda alimentos para sobreviver vários meses.  

Em meio deste coro de afirmações supersticiosas apocalípticas, alguma voz moderada?  Sim, uma astróloga que declara que haverá mudança, mas que ela será espiritual.  Ou uma comunidade mística que segue um calendário lunar e também acredita que em 21 de dezembro acontecerá uma mudança espiritual para o bem, sem explicar qual é a relação entre as fases da Lua, base do seu calendário, e o Solstício (fenômeno evidentemente solar) que segundo os modernos intérpretes da antiga cultura mesoamericana marcará o fim de uma era.  

E alguma voz do mundo científico?  Misturados com a turma alarmista, um arqueólogo da UFMA nos explica que os maias esperavam o retorno de um Deus, mas não o fim do mundo.  Crianças saindo do Planetário do Rio afirmam que o Mundo não irá acabar porque já foi anunciado muitas vezes seu fim e nunca aconteceu e um astrônomo diz que o Apocalípse será dentro de  4,5 bilhões de anos. Mas isso é bem no início do programa. 

Depois das testemunhas daqueles que têm certeza que o Sol enviará um raio mortal, um funcionário da NASA americana, falando em espanhol, tenta tranquilizar: "nada de grave acontecerá". E no centro de São Paulo, a Dra. Adriana Válio, professora universitária com muitos anos de estudar científicamente explosões solares, com formação em centros acadêmicos nacionais e internacionais e publicações em méios especializados, é mostrada enquanto monta um instrumento de observação. Com uma expressão preocupada, Adriana diz: "os efeitos na Terra são sérios" e passa a enumerar os riscos de apagões, de corte nas comunicações, etc, enquanto movies de erupções solares captadas pelo Solar Dynamic Orbiter nos fazem arrepiar.  Quanto durou a intervenção da única especialista em atividade solar entrevistada pela Globo?  Menos de dois minutos e, no máximo, duas frases, porque o resto foram imagens.  As frases foram tiradas de contexto. As frases foram utilizadas para reforçar a mensagem apocalíptica.

Para fechar, um paulistano, no meio da maior urbe americana, se prepara em casa para enfrentar a falta de energia elétrica no final do ano.  Essa é a conclusão da reportagem: melhor se preparar, o fim está a chegar.

No início do século XX, na Buenos Aires  inundada de imigrantes europeus de baixos ingressos, proliferou um tipo de loja parecido com o bazar árabe, mas de má reputação: o cambalache. Enrique Santos Discépolo, autor de excelentes tangos, estendeu seu reinado ao compor uma milonga com esse nome,  comparando o nascente século XX com os cambalaches onde tudo se misturava: "tudo dá igual, nada é melhor, é o mesmo um burro que um ilustre professor" diz desapontado Discépolo. E resume seu desencanto com a modernidade dizendo: "Igual que na vitrine irrespetuosa dos cambalaches bagunçou a vida,  e ferida por um sabre sem rebites vi chorar a Biblia juntou ao aquecedor."

Chegando o Carnaval a Globo decidiu sair na rua com um bloco cheio de falsos profetas, o Bloco das Glofecias: cambalache que mistura grotescos e patéticos  personagens que em vez de marchinhas e sambas entoam marchas fúnebres,  com  profissionais que dedicam sua vida a estudar cientificamente a natureza.  A voz destes últimos ficou apagada pelo barulho da bateria supersticiosa.  Espero que para a maioria que assistiu tamanha demonstração de manipulação informativa, tenha ficado a ideia de que tudo não se trata mais do que da Novela das 11, ou melhor, de uma Sessão da Noite, com um filme de roteiro incomprensível.